A maioria de vocês me conhece como um cristão protestante “de carteirinha”. Não tanto como um daqueles “crentes” típicos, isto é, moralista, fundamentalista (na pior acepção da palavra) e às vezes inconvenientemente proselitista. Sempre fui um cristão discreto (até demais…) ou mesmo tímido, mas essa discrição e essa timidez têm sido compensadas, nos últimos anos, por uma intensa participação em listas de discussão e em comunidades no Orkut. E essas minhas participações fizeram-me um evangélico razoavelmente conhecido na Internet, ou pelo menos em um grupo relativamente grande de amigos e conhecidos evangélicos. O fato de muitas pessoas me conhecerem — umas mais, outras menos — como um protestante atuante e “engajado” é o que me obriga, por uma questão de honestidade, a vir a público dar-lhes uma notícia que para muitos (talvez para a maioria) de vocês poderá ser decepcionante, revoltante até, mas que eu preciso comunicar, até por um dever para com a minha própria consciência e com Deus.
Sem mais delongas, quero lhes comunicar minha decisão de me tornar católico apostólico romano. Não se trata de uma decisão súbita, ao contrário, é fruto de um processo que se iniciou há pelo menos cinco anos.
Resumidamente, para quem não conhece, vou contar minha trajetória religiosa até aqui. Eu nasci numa família protestante. Meus pais eram — e são até hoje — membros da Igreja Presbiteriana do Brasil, igreja onde fui batizado e fiz profissão de fé. Durante boa parte da minha adolescência, freqüentei uma igreja pentecostal conservadora. Com a morte da dirigente dessa igreja (que era minha tia), os membros se dispersaram, e eu então me tornei membro da igreja batista, onde congreguei por cerca de 3 anos, de onde saí para freqüentar, por poucos meses, uma pequena comunidade evangélica no bairro de Botafogo. Então com 24 anos, ingressei na faculdade de filosofia, o que fez com que eu me afastasse da igreja (embora não de Deus) por certo período, durante o qual eu pude refletir criticamente sobre a minha experiência como cristão.
Ao fim do curso, escolhi como tema da minha monografia um pensador religioso chamado Søren Kierkegaard (1813-1855), que era luterano. O estudo do pensamento desse filósofo, que é considerado “o pai do existencialismo”, com sua perspectiva cristã ao mesmo tempo bíblica e original, reacendeu minha fé e eu então me tornei membro da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Mas, por causa da minha formação em filosofia (que continuou até o mestrado), desde que voltei a freqüentar a igreja (em 2002) eu sempre estive refletindo sobre a fé, sobre igreja (a fé institucionalizada) e sobre a religião em geral. Esse processo de reflexão, aliado ao princípio tipicamente protestante do “livre exame da Bíblia” (que alguns católicos chamam um tanto impropriamente de “livre interpretação”), levou-me a uma fé bastante subjetiva e racionalista (embora muitas vezes esse racionalismo se confundisse com fideísmo, certamente pela mania tipicamente racionalista de separar fé e razão). Esse subjetivismo e esse racionalismo por fim me levaram ao liberalismo teológico, não o liberalismo vulgar e irresponsável que muitos “teólogos” têm defendido hoje em dia, mas o liberalismo clássico.
Em outras palavras, embora eu reconhecesse a importância (e mesmo a imprescindibilidade) da Igreja e dos princípios básicos e tradicionais da fé cristã, passei a interpretar esses princípios de forma excessivamente racionalista (mais precisamente como “princípios morais”, ao modo de Kant), e essa postura fez com que minha fé se apagasse novamente (Obs.: não foi à toa que o liberalismo teológico nasceu e se desenvolveu em contexto luterano.). Mas, ao longo desse percurso, eu mantive uma “relação de amor e ódio” com o catolicismo. Essa relação começou praticamente junto com minha aproximação do luteranismo, visto que Lutero nunca rompeu totalmente com a igreja católica (ao contrário de Calvino, por exemplo), e que a igreja luterana conserva até hoje muito da liturgia e até da teologia católicas (particularmente no que diz respeito ao sacramento da Eucaristia ou Santa Ceia).
Por isso, à medida que eu me aproximava do catolicismo, conhecendo sua profundidade teológica e sua própria trajetória histórica (que indubitavelmente remonta a Cristo, aos Apóstolos e aos primórdios da Igreja cristã), minhas raízes protestantes enchiam-me de “ódio” por essa religião “idólatra”, por esse “cristianismo pervertido”, por esse “paganismo mal disfarçado”. E então eu me envolvia em inúmeras discussões com católicos, como que querendo, inconscientemente, convencer a mim mesmo de que o catolicismo estava errado e de que o protestantismo é que estava certo. Mas ao mesmo tempo em que eu ia tendo contato com o pensamento e com os consistentes argumentos católicos, eu ia constatando o subjetivismo e a mixórdia que infelizmente caracterizam o universo protestante, com suas incontáveis igrejas e profissões de fé, com as muitas variações entre um grupo protestante e outro. Como a doutrina de Cristo e dos Apóstolos poderia variar tanto? Como cada cristão poderia ter o direito de crer de acordo com o seu talante e de acordo com a sua própria interpretação (ou de acordo com a interpretação do fundador da sua igreja)? O subjetivismo e a variabilidade indicavam que alguma coisa estava errada, que a religião legada por Cristo e pelos Apóstolos haveria de ter permanecido incólume com o passar do tempo, sem estar sujeita ao arbítrio dos homens. E se há uma igreja que remonta a Cristo e aos Apóstolos, em que o subjetivismo simplesmente não existe, e onde uma autoridade visível (o Magistério) sempre foi e será responsável pela salvaguarda da fé, essa igreja só pode ser a igreja católica apostólica romana, essa igreja que não está sujeita às intempéries da história, nem aos modismos de cada época, nem aos gostos dos fregueses.
Ninguém pode negar que a história da Igreja Católica é manchada por episódios tristes, pela atuação de homens desonestos. Mas é necessário compreender que, se os homens da Igreja são pecadores, ela, em si mesmo considerada, é santa; é humana, mas também é divina. Seus membros são pecadores e humanos, mas a Igreja é santa e divina por causa da sua origem. E é precisamente esse o ponto em que o meu liberalismo teológico e minha atração pelo catolicismo se encontraram, como que numa encruzilhada. Se o meu liberalismo estivesse correto, isto é, se Jesus Cristo não fosse Deus em carne e osso (conforme ensina a fé cristã bíblica e tradicional), mas fosse apenas um mestre espiritual ou moral, então a questão sobre a igreja verdadeira perderia todo o sentido. Cada um poderia seguir individualmente o “mestre” Jesus, ter a sua própria “experiência” com ele, e isso bastaria.
Mas se, ao contrário, Jesus foi de fato Deus em forma humana (e esse é o cerne da fé cristã), então saber qual a Igreja que Ele (isto é, Deus em pessoa!) de fato fundou passa a ser uma questão crucial. E por mais que os protestantes se recusem a admitir, é histórica e logicamente inegável que essa Igreja é a Igreja católica, apostólica e romana, onde os sucessores dos Apóstolos foram incumbidos de preservar a doutrina revelada. E a verdade é que eu cansei de lutar contra as evidências, de lutar contra mim mesmo. Cansei de seguir simplesmente o meu próprio entendimento (Prov. 3,5), de ser pretensioso e orgulhoso ao ponto de achar que posso dispensar a experiência, o conhecimento e a autoridade daqueles que são os sucessores dos Apóstolos escolhidos por Cristo; que a minha compreensão da fé cristã é equivalente (quiçá superior!) à do Magistério; que a Igreja que Cristo fundou e cujo governo confiou aos Apóstolos (que evidentemente deveriam ter sucessores legítimos, visto que não poderiam viver eternamente!), e à qual prometeu acompanhar “até a consumação dos séculos” (Mt. 28,20), vagou perdida e equivocada por longos 1.500 anos, até que Lutero e os demais reformadores a “resgatassem”; enfim, cansei de lutar contra mim mesmo e contra Deus. (Obs.: talvez o meu liberalismo tenha sido uma última e desesperada tentativa de rechaçar o catolicismo, pois se Jesus não fosse Deus em forma de homem, então o catolicismo estava errado e eu não precisaria me preocupar mais com ele…)
Não estou aqui querendo julgar nenhum de vocês, nem poderia fazê-lo. Os que, dentre vocês, já são católicos, hão de me compreender e, presumo, de me felicitar. E os que são evangélicos eu espero que me compreendam da melhor forma possível, e que não se afastem de mim nem deixem de ser meus amigos por causa dessa minha decisão. Até porque não só por causa da minha origem protestante, mas também em consonância com o chamado da Igreja católica (particularmente na pessoa do atual Papa), vou continuar me empenhando no diálogo ecumênico, e talvez fazê-lo com mais dedicação ainda.
Finalmente, sei que estou correndo alguns riscos ao me expor dessa forma a tantas pessoas. Risco de ser incompreendido, de me tornar objeto de repulsa ou de chacota, e até de me transformar de amigo em inimigo. Mas eu simplesmente não poderia esconder dos amigos uma decisão de tal importância (a não ser que eu sumisse da Internet, trocasse os números dos telefones, enfim, desaparecesse, só para não ter que dar satisfações a ninguém…).
Há ainda várias razões pelas quais eu decidi me tornar católico. Uma delas é fato da Igreja católica ser o único porto efetivamente (e nãoaparentemente) seguro em meio ao relativismo filosófico, religioso e moral que grassa nos nossos dias.
Passei, então, a partir disso, a ter contatos com católicos no intuito de efetivar minha admissão na Igreja fundada por Cristo. Conversei com alguns leigos, tive direção espiritual com o Pe. Carlos Nogueira, LC, então diácono dos Legionários de Cristo, no Rio de Janeiro, e uma entrevista com o meu novo Bispo, D. Rafael Llano Cifuentes, da Diocese de Nova Friburgo, à qual pertenceria, uma vez convertido. Fui então, sendo preparado, para incorporar-me, externa, definitiva e formalmente, à única Igreja de Jesus, Nosso Senhor.
A partir de então, dediquei boa parte do meu tempo à formação doutrinária e um fortalecimento da amizade com Cristo, fazendo, inclusive, um extenso exame de consciência que me iria preparar à minha primeira Confissão geral de todos os meus pecados mortais. Confessei-os no dia 14 de dezembro de 2007, uma sexta-feira, dia penitencial por excelência (o que já se mostrou um sinal).
Minha confissão, embora árdua, foi uma bênção. Foi, acredito eu, como deveria ser: confessei meus pecados todos oralmente, o padre usou sua estola, ouviu atentamente a minha confissão, concedeu-me o perdão mediante a fórmula devida, e por fim prescreveu-me a penitência.. A certeza da reconciliação com Deus e com Sua Igreja, assim como a paz que advém dessa certeza, é algo inestimável! Louvado seja o santo nome do Senhor Jesus Cristo!
No dia 16 de dezembro de 2007, III Domingo do Advento, pela maravilhosa graça de Deus, por Sua infinita bondade e pela intercessão da Santíssima Virgem Maria, fui admitido na plena comunhão da Igreja Católica, por meio da Profissão de Fé e da Primeira Comunhão. A cerimônia, rigorosamente de acordo com o que determina o RICA (Ritual de Iniciação Cristã de Adultos), foi singela, como eu também esperava que fosse. A alegria de poder dizer publicamente “Creio e professo tudo o que a santa Igreja católica crê, ensina e anuncia como revelado por Deus” foi indescritível, e a experiência da Primeira Comunhão também ficará para sempre na minha memória.
Por quanto tempo eu andei errante, seguindo tão-somente aquilo que eu achava que era a verdade?! Por quanto tempo eu acreditei que tinha o direito de julgar tudo e todos com base em critérios eminentemente subjetivos, isto é, em critérios que me pareciam serrazoáveis?! Nos últimos tempos, esse subjetivismo havia me levado a uma fé fria, em pouco ou em nada diferente de um humanismo ou de uma moralidade de feitio kantiano, uma deplorável mistura de relativismo e liberalismo teológicos que eu tentava mitigar professando exteriormente uma fé conservadora da qual intimamente eu duvidava.
Mas algo em mim não deixava meu intelecto em paz, algo me dizia que aquele estado de indefinição, de permanente suspensão de qualquer juízo definitivo, não poderia ser aquilo que Deus planejou para mim. A verdade não poderia ser uma meta inatingível, nem algo que cada um pudesse ou devesse estabelecer de acordo com o seu próprio arbítrio. Algo me dizia que eu estava perdido em meio às minhas elucubrações, mas eu não tinha forças para sair daquela areia movediça em que eu mesmo me coloquei. Às vezes parecia que eu tentava fazer como o Barão de Munchausen, ou seja, tentava sair do atoleiro puxando eu mesmo o meu próprio cabelo… Mas eu sabia, havia tempos, que a verdade deveria ser buscada em algo maior do que eu, em algo que não dependesse do arbítrio de nenhum ser humano e que não estivesse sujeito às intempéries do tempo. Eu já sabia que a verdade só poderia ser encontrada na Igreja, isto é, naquela Igreja fundada pelo próprio Deus em carne e osso (Nosso Senhor Jesus Cristo!), cuja chefia Ele confiou aos Apóstolos e especialmente a Pedro, os quais, por causa dessa incumbência especialíssima, deveriam ter seus legítimos sucessores. Mas o meu orgulho e a minha presunção impediam-me de admitir essa verdade, e por isso meu intelecto ficava se debatendo, pois eu sabia que a verdade só pode ser encontrada num único lugar, nesse lugar onde todo intelecto pode, enfim, repousar, nesse verdadeiro porto seguro, onde fé e razão podem se entrelaçar perfeitamente, onde não há espaço para voluntarismos, nem para subjetivismos ou relativismos. Enfim, eu sabia que a verdade, a mais sublime verdade, só pode ser encontrada na una, santa, católica e apostólica Igreja de Cristo, que Ele prometeu jamais abandonar e sobre a qual Ele disse que as portas do inferno jamais prevalecerão. Mas eu insistia em me apegar à minha débil razão, em achar que aquela esperança desesperada que eu chamava de fé era o máximo que eu poderia alcançar, e preferia ficar com esse arremedo de fé a abdicar do meu “bom senso” em favor de algo maior. E foi nesse estado que a graça divina me alcançou, foi desse lamaçal que Deus me resgatou.
Hoje eu não tenho palavras para descrever a felicidade que o fato de estar na verdadeira Igreja tem me proporcionado. Tudo o que eu quero é agradecer a Deus todos os dias da minha vida por essa bênção e procurar conhecer mais e mais a fé católica apostólica. Sei que muitos podem e poderão achar que essa é só mais uma “fase”, que assim como eu passei por outras igrejas, passarei também pela católica… Mas só pensa isso quem não sabe (ou se esqueceu) que a Igreja Católica não é uma igreja como outra qualquer, não é uma “opção” válida entre outras igualmente válidas. Quem se converte à Igreja Católica, ou nela permanece, pensando que o catolicismo é uma “opção” dentre outras (em vez de ser a verdade plena e definitiva), não conhece a fé que professa. E em meu íntimo eu já sabia que ser católico é algo muito sério, e também por isso eu vinha adiando minha decisão, até que a graça de Deus suplantou o meu medo e meu orgulho, de modo que eu abracei a fé católica com plena consciência do que isso significa, com a consciência de que essa é uma decisão para a vida toda. Eu sabia que, no dia em que me convertesse ao catolicismo, seria de uma vez para sempre.
Que Deus me dê a graça de perseverar até o fim. Que Ele não permita jamais que eu volte a seguir o meu próprio entendimento (Pv. 3,5), que não me deixe cair nessa tentação (pois sou homem e por isso estarei sempre sujeito a cair). Que eu nunca me esqueça de que sem Deus eu nada sou e nada posso fazer.
Quero agradecer publicamente ao meu irmão e amigo Marcus Pimenta, que suportou por anos a fio a minha petulância e a minha teimosia, em intermináveis debates por e-mail. Jamais esquecerei sua paciência e sua generosidade, meu irmão!
Agradeço também ao meu amigo e irmão Robson, companheiro do bacharelado ao mestrado em filosofia (hoje ele é doutorando e professor com uma brilhante carreira pela frente), com quem tive o prazer de conversar muitas vezes e que tenho a certeza de que rezou por mim.
Agradeço também à equipe do site Veritatis Splendor, especialmente os irmãos Alessandro Lima, Alexandre Semedo (a quem devo desculpas pelo tom ríspido dos últimos e-mails, de alguns anos atrás!) e Rafael Vitola Brodbeck, com os quais tive o privilégio de debater e com quem muito aprendi (e continuo a aprender!).
Agradeço ainda ao estimado irmão Marcelo Coelho, pela inestimável ajuda; ao prezado Yvan Eyer, com quem “briguei” muitas vezes pelo Orkut mas que também contribuiu, com sua inteligência e conhecimento, para esse passo tão importante; ao querido Joathas Bello, cristão exemplar e uma das pessoas mais íntegras e inteligentes que conheço; aos familiares e amigos da minha esposa em Belford Roxo (Baixada Fluminense), com quem tive (e espero continuar tendo!) a oportunidade de conhecer de perto o jeito católico de ser; e a todos os irmãos que, de uma forma ou de outra, me ajudaram e têm ajudado na caminhada até aqui. Que Deus abençoe grandemente todos vocês!
Enfim, agradeço à minha esposa, Osana, católica de berço, e que assim permaneceu até hoje. Ainda que não tenha influenciado diretamente no meu processo de conversão, ela certamente contribuiu com o seu comportamento, com sua simples presença ao meu lado, como que sempre a me lembrar da possibilidade de vir a me tornar católico. Também com ela eu comecei a aprender algo sobre o catolicismo, especialmente no que diz respeito à liturgia e ao calendário da Igreja. Com ela eu fui a várias missas, bem antes de me converter (missas nas quais a graça de Deus certamente já agia, ainda que silenciosamente). E com ela eu pude receber o meu primeiro sacramento católico, já que nos casamos na Igreja Católica.
Finalmente, quero agradecer a Deus Pai, Filho e Espírito Santo, a quem toda a honra e toda a glória são devidas, e à Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, pela maravilhosa intercessão em favor desse filho rebelde!
A todos, o meu cordial e fraterno abraço.
Marcos Monteiro Grillo